O deus dos escribas fez-me dádiva do conhecimento da sua arte.
Eu fui iniciado nos segredos da escrita.
Eu posso até ler as intricadas barras em shumério;
Eu entendo as palavras enigmáticas nas gravações de pedra dos dias anteriores ao dilúvio.
A pretensão de Assurbanipal de que podia ler intricadas barras em "shumério" e entender as palavras escritas em barras de "dias anteriores ao dilúvio", apenas aumentou o mistério. Mas, em janeiro de 1869, Julles Oppert sugeriu à Sociedade Francesa de Numismática e Arqueologia que devia ser dado reconhecimento da existência de uma língua e de um povo pré-acádios. Salientando que os antigos governantes da Mesopotâmia proclamavam sua legitimidade pela tomada do título "rei da Suméria e Akkad", ele sugeriu que o povo se chamaria "sumério" e ao seu território "Suméria".
À exceção de ter pronunciado mal o nome - era shumer, não sumer -, Oppert estava com a razão. A Suméria não era uma terra misteriosa e distante, mas o antigo nome da Mesopotâmia do Sul, tal como o livro do Gênesis tinha claramente afirmado: "As cidades reais de Babilônia e Akkad e Erech eram na 'Terra de Shin'ar" (Shinar era o nome bíblico de Shumer).
Uma vez aceitas estas conclusões pelos eruditos, abriram-se os diques. As referências acádias aos “textos antigos" revestem-se de significado, e os estudiosos depressa compreenderam que as barras com longas colunas de palavras eram, de fato, léxicos e dicionários acádio-sumérios preparados na Assíria e na Babilônia para seu próprio estudo da primeira linguagem escrita, a suméria.
Sem estes dicionários de há muito tempo, estaríamos ainda longe de ser capazes de ler o sumério. Com sua ajuda, um vasto tesouro literário e cultural se ofereceu aos nossos olhos. Tornou-se também claro que a escrita suméria, originalmente pictográfica e gravada na pedra em colunas verticais, foi depois escrita horizontalmente e, mais tarde, estilizada para a escrita em forma de cunha em barras lisas de argila para se tornar na escrita cuneiforme que foi adotada pelos acádios, babilônios, assírios e outras nações do antigo Oriente Médio.
A decifração da língua e escrita sumérias e a percepção de que os sumérios e sua cultura eram o manancial das realizações acádio-babilônio-assírias estimularam as pesquisas arqueológicas na Mesopotâmia do Sul. Todas as provas concordavam, agora, que o princípio estava ali.
A primeira escavação signifIcativa de um campo sumério começou em 1877 com arqueologistas franceses; e os achados deste único campo foram tão numerosos que outros arqueologistas lá continuaram a escavar até 1933, sem conseguirem completar a tarefa.
Chamado pelos nativos Telloh ("monte"), o campo revelou-se uma antiga cidade suméria, a verdadeira Lagash, de cuja conquista Sargão de Akkad se vangloria. Era realmente uma cidade real, cujos governantes tinham o mesmo título que Sargão adotara, à exceção de ser em linguagem suméria: EN.SI ("o governante íntegro"). Sua dinastia começara cerca do ano 2.900 a.C. e durou aproximadamente 650 anos. Durante este tempo reinaram em Lagash 43 ensi's sem interrupção. Seus nomes, genealogias e duração de reinado estão todos nitidamente gravados.
As inscrições forneceram muita informação útil. Apelos aos deuses "para fazer crescer os rebentos de grão para a colheita... para fazer a planta regada gerar cereal" atestam a existência de agricultura e irrigação. Uma taça inscrita em honra de uma deusa pelo "supervisor do celeiro" indica que os cereais eram armazenados, medidos e comercializados.
Um ensi chamado Eannatum deixou uma inscrição no tijolo de argila que torna claro que estes governantes sumérios podiam assumir o trono apenas com o aval dos deuses. Registra também a conquista de outra cidade, revelando a existência de outras cidades-estados na Suméria no início do 3º. milênio a.C.
O sucessor de Eannatum, Entemena, fala em construir um templo e de o ornamentar com ouro e prata, de nele plantar jardins, alargar paredes lineadas a tijolo. Ele gaba-se de construir uma fortaleza com torres de vigia e facilidades para a atracação de navios.
Um dos mais bem conhecidos governantes de Lagash foi Gudea. Ele fizera um grande número de estatuetas dele próprio, todas mostrando-o em atitude votiva, orando aos seus deuses. Esta atitude não era falsa: Gudea tinha-se realmente devotado à adoração de Ningirsu, sua principal deidade, e à construção e restauração de templos.
Suas muitas inscrições revelam que, na pesquisa de raros e delicados materiais de construção, ele extraiu ouro da África e da Anatólia, prata das montanhas Tauro, cedros do Líbano e outras madeiras raras de Ararat, cobre da cadeia montanhosa de Zagros, diorite do Egito, cornalina da Etiópia e outros materiais até agora não identifIcados pelos eruditos.
Quando Moisés construiu para o Senhor Deus uma residência no deserto, ele o fez de acordo com as detalhadíssimas instruções dadas pelo Senhor. Quando o rei Salomão construiu o primeiro templo em Jerusalém, fê-lo, apenas, depois de o Senhor "lhe ter dado sapiência". Ao profeta Ezequiel foram mostrados planos muito detalhados para o segundo templo "numa visão divina" por "uma pessoa que tinha aparência de bronze e que segurava na mão uma fita de linho e uma vara de medições". Ur-Nammu, governador de Ur, descrevia num milênio anterior como seu deus lhe ordenara que construísse para ele um templo e lhe dera instruções apropriadas, estendendo-lhe a vara de medições e a fita de linho enrolada para a execução da tarefa.
Mil e duzentos anos antes de Moisés, Gudea afIrmou o mesmo. As instruções, registrou ele numa inscrição muito longa, foram-lhe dadas numa visão. "Um homem que brilhava como os céus", ao lado de quem repousava. "um pássaro divino", "ordenou-me que construísse o seu templo". Este "homem" que tinha "uma coroa em sua cabeça" era, obviamente, um deus que foi mais tarde identifIcado como sendo o deus Ningirsu. Com ele estava uma deusa que "segurava uma agulha sagrada", com a qual ela indicava a Gudea "o planeta favorável". Um terceiro homem, também ele um deus, segurava em sua mão uma barra de preciosa pedra; "o plano de um templo estava aí contido". Uma das estatuetas de Gudea mostra-o sentado com esta barra nos joelhos: na barra o desenho divino pode ser claramente visto.
Sábio como era, Gudea ficou perplexo com estas instruções arquitetônicas e procurou o conselho de uma deusa que podia interpretar mensagens divinas. Ela explicou-lhe o significado destas instruções, as medidas do plano e o tamanho e forma dos tijolos a serem usados. Gudea, então, empregou um "advinho, fabricante de decisões", masculino, e uma "pesquisadora de segredos", feminina, para localizarem o lugar, às portas da cidade, onde o deus desejava que seu templo fosse construído. Recrutou depois 216 mil pessoas para o trabalho de construção.
O espanto de Gudea pode ser facilmente compreendido, porque o simples "plano térreo" deu-lhe a quantidade de informações necessárias para construir um complexo zigurate elevando-se por sete andares. Escrevendo em Der Alte Orient (O Velho Oriente), em 1900, A. Billerbeck foi capaz de decifrar pelo menos parte das divinas instruções arquitetônicas. O velho plano, mesmo na estátua parcialmente danificada, é ornado no topo por grupos de linhas verticais, cujo número diminui à medida que o espaço entre elas aumenta. Os arquitetos divinos, parece, eram capazes de fornecer, com um único plano térreo, acompanhado de sete escalas variáveis, as instruções completas de um enorme templo de sete andares.
Alguém disse que a guerra estimula o homem para o progresso científico e material. Na antiga Suméria, ao que parece, a construção de templos incitou o povo e seus governantes para maiores realizações tecnológicas. A capacidade de levar a cabo trabalhos de construção de grande envergadura, de acordo com planos arquitetônicos preparados, de organizar e sustentar uma gigantesca força de trabalho, de aplanar terra e erguer morros, de moldar tijolo e o transportar, de trazer metais raros e outros materiais de longe, de fundir o metal e moldar utensílios e ornamentos - tudo isto fala de uma alta civilização, já em plena maturidade no 3º. milênio a.C.
Magistrais como eram os mais remotos templos sumérios, eles representavam, ainda assim, apenas o topo do iceberg que é a extensão e riqueza das realizações materiais alcançadas pela primeira grande civilização conhecida pelo homem.
Juntando-se à invenção e desenvolvimento da escrita, sem a qual uma tão alta civilização não poderia ter existido, devemos conceder também aos sumérios o crédito de terem inventado a imprensa. Milênios antes de Johann Gutenberg ter "inventado" a imprensa pelo uso de tipos móveis, os escribas sumérios usavam tipos já feitos dos vários signos pictográficos, que utilizavam como nós hoje usamos os carimbos de borracha, para imprimir a seqüência desejada de signos na argila úmida.
Eles inventaram também aquilo que se pode considerar o precursor de nossas prensas rotativas - o selo cilíndrico. Feito de uma pedra excepcionalmente dura, este consistia de um pequeno cilindro no qual a mensagem ou desenho fora, gravado ao contrário; sempre que o selo era rolado na argila úmida, a impressão criava uma cópia "positiva" na argila. O selo dava também a possibilidade de assegurar a autenticidade dos documentos - no mesmo momento, podia ser feita uma nova impressão para ser comparada com a gravada no documento.
Muitos registros escritos sumérios e mesopotâmicos não diziam respeito, necessariamente, com o divino ou com o espiritual. Neles se falava também de tarefas do cotidiano, tais como registro de colheitas, medição de campos e cálculos de preços. Na verdade, nenhuma alta civilização podia ter sido possível sem um avançado sistema de matemáticas paralelo.
O sistema sumério, chamado sexagesimal, combinava um 10 mundano com um 6 "celestial" para obter o número de base 60. Este sistema é, em certos aspectos, superior ao nosso atual; de qualquer modo, ele é, indubitavelmente, superior aos posteriores sistemas grego e romano. Deu aos sumérios a possibilidade de dividir em frações e multiplicar em milhões, para calcular raízes ou elevar números várias vezes. Este foi não só o primeiro sistema matemático conhecido, como também aquele que nos deu o conceito de "posição". Tal como no sistema decimal o 2 pode ser ou 20 ou 200, dependendo do lugar do dígito, assim também no sistema sumério o 2 significa 2 ou 120 (2x60), e por aí adiante, dependendo da "posição".
O círculo de 360°, o pé e suas 12 polegadas e a "dúzia" como uma unidade não são mais do que alguns exemplos dos vestígios das matemáticas sumérias ainda presentes em nossa vida diária. Suas realizações concomitantes em astronomia, o estabelecimento de um calendário e outros feitos matemático-celestiais serão estudados com maior pormenor nos capítulos seguintes.
Tal como o nosso sistema econômico-social - os nossos livros de tribunal e registros de taxas, contratos comerciais e certidões de casamento etc. - depende do papel, a vida na Suméria e Mesopotâmia dependia da argila. Templos, tribunais e casas de comércio tinham os seus escribas prontos com barras de argila úmida na mão, nas quais inscreviam decisões, acordos, cartas ou se calculavam preços, salários, a área de um campo ou o número de tijolos requeridos para uma construção.
A argila era também uma matéria-prima fundamental para a manufatura de objetos de uso diário e recipientes para armazenagem e transporte de gêneros. Era também usada para fazer tijolo - outra invenção suméria -, o que tornou possível erigir casas para o povo, palácios para os reis e imponentes templos para os deuses.
Concede-se aos sumérios o crédito de terem desencadeado dois avanços tecnológicos que tornaram possível combinar leveza com força tênsil para todos os produtos de argila, reforçando e cozendo esse material. Os arquitetos modernos descobriram que o concreto armado reforçado, um material de construção extremamente forte, pode ser criado pela junção de cimento a moldes contendo varas de ferro. Há muito tempo, os sumérios davam grande força aos seus tijolos misturando a argila úmida com pedaços de junco cortados ou palha. Sabiam também que aos produtos de argila podia ser dada força tênsil e durabilidade cozendo-os num forno. Os primeiros arranha-céus e vãos em arco do mundo, assim como os duráveis utensílios de cerâmica, foram possíveis devido a estes avanços tecnológicos.
A invenção do forno - uma fornalha na qual temperaturas intensas, mas controláveis, podiam ser obtidas sem risco de contaminação dos produtos com cinzas - tornou possível um avanço tecnológico ainda maior - a Idade dos Metais.
Concluiu-se que o homem descobriu que podia trabalhar “pedras moles" - pepitas de ouro, cobre e compostos de prata ocorrendo naturalmente - em formas úteis ou agradáveis, em algum lugar por volta do ano 6.000 a.C. Os primeiros artefatos de metal batido foram encontrados nas terras altas dos montes Zagros e Tauros. Todavia, como salientou R. J. Forbes (The Birthplace of Old World Metallurgy) [O Berço da Velha Metalurgia Mundial], "no antigo Oriente Médio, a provisão natural de cobre foi rapidamente esgotada, e os mineiros tiveram de voltar ao minério bruto". Isto requereu conhecimento e capacidade para encontrar e extrair os minérios, esmagá-los e depois fundi-los e refiná-los - processos que não poderiam ter sido levados a bom termo sem os fornos de fundição e uma tecnologia generalizadamente avançada.
A arte da metalurgia depressa englobou a capacidade de ligar o cobre com outros metais inferiores, resultando daí o metal dificilmente fundível, mas maleável, a que chamamos bronze. A Idade do Bronze, nossa primeira idade metalúrgica, foi também uma contribuição mesopotâmica para a civilização moderna. Muito do antigo comércio era dedicado ao tráfico de metais; assim se formou a base de desenvolvimento na Mesopotâmia de bancos e do primeiro dinheiro - o shekel ("lingote de peso") de prata.
As muitas variedades de metais e ligas para os quais foram encontrados nomes sumérios e acádios e a extensa terminologia tecnológica atestam o alto nível que a metalurgia alcançara na Mesopotâmia. Por um momento, isto confundiu os estudiosos, porque a Suméria, como tal, era desprovida de minérios de metal e, no entanto, a metalurgia começou aí, em termos quase definitivos.
A resposta é a energia. A mistura, refinação e liga, assim como a fundição, não podiam ser feitas sem uma ampla provisão de combustíveis para ativar os fornos, cadinhos e fornalhas. À Mesopotâmia podem ter faltado os minérios, mas combustíveis ela os teve em abundância, o que explica o grande número de artes remotas inscrições descrevendo a viagem de minérios de metal vindos de muito longe.
Os combustíveis que tornaram a Suméria suprema, em termos de tecnologia, foram os betumes e os asfaltos, produtos petrolíferos que se infiltraram naturalmente para a superfície em muitos lugares da Mesopotâmia. R. J. Forbes (Bitumen and Petroleum in Antiquity) [Betumes e Petróleo na Antiguidade] mostra que os depósitos de superfície da Mesopotâmia foram as antigas fontes primárias de combustível desde os mais remotos tempos até a era romana. Sua conclusão diz-nos que o uso tecnológico destes produtos começou na Suméria por volta do ano 3.500 a.C.; na verdade, ele mostra que o uso e conhecimento dos combustíveis e suas propriedades são maiores nos tempos da Suméria do que nas civilizações mais tardias.
O uso destes produtos petrolíferos pelos sumérios foi tão amplo - não apenas como combustível, mas também como material de construção de estradas, para impermeabilização, calafetagem, pintura, esmaltagem e moldagem - que, quando os arqueólogos pesquisavam a antiga Ur, encontraram esses produtos enterrados num morro a que os árabes nativos chamam "Morro do Betume". Forbes mostra que a língua suméria tem vocábulos para cada gênero e variedade das substâncias betuminosas encontradas na Mesopotâmia. Na verdade, os nomes dos materiais betuminosos e petrolíferos noutras línguas - acádia, hebraica, egípcia, copta, grega, latina e sânscrita - podem ser decompostos até as origens sumérias; por exemplo, a palavra mais comum para petróleo - nafta - deriva de napatu ("pedras que cintilam").
O uso sumério dos produtos de petróleo era também básico para uma química avançada. Podemos avaliar o alto nível de conhecimento sumério não apenas pela variedade de tintas e corantes usados e processos como a esmaltagem, como também pela notável produção artificial de pedras semi-preciosas, incluindo um substituto do lápis-lazúli.
Os betumes eram também utilizados na medicina suméria, outro campo onde os níveis de progresso foram impressionantemente altos. As centenas de textos acádios encontrados empregam muitas frases e termos médicos sumérios, salientando a origem suméria de toda a medicina mesopotâmica.
A biblioteca de Assurbanipal em Nínive inclui uma seção médica. Os textos estavam divididos em três grupos - bultibu ("terapia"), shipir bel imti ("cirurgia") e urti mashmashshe ("ordens e encantamentos"). Primitivos códigos de leis incluem seções tratando dos salários pagos a cirurgiões por operações bem-sucedidas e penalidades a eles impostas em caso de fracasso: um cirurgião utilizando a lanceta para abrir a fronte de um paciente poderia perder a mão se, ainda que acidentalmente, destruísse a vista do doente.
Alguns esqueletos descobertos nos túmulos mesopotâmicos possuem indesmentíveis marcas de cirurgia craniana. Um texto médico incompleto parcialmente fala da remoção cirúrgica de "uma sombra cobrindo um olho de homem", provavelmente uma catarata; outro texto menciona o uso de um instrumento cortante, afirmando que "se a doença tivesse alcançado o interior do osso, o melhor seria raspar e retirar".
Nos tempos da Suméria, os doentes podiam escolher entre um A.ZU ("médico de água") e um IA.ZU ("médico de óleo"). Uma barra desenterrada em Ur, com quase 5.000 anos, nomeia um praticante de Medicina como "Lulu, o doutor". Havia também veterinários - conhecidos quer como "doutores de bois", quer como "doutores de asnos".
Um par de pinças cirúrgicas está descrito num cilindro muito antigo encontrado em Lagash e pertencendo a "Urlugaledina, o doutor". O selo mostra também a serpente numa árvore - o símbolo da medicina até hoje. Um instrumento que era usado pelas mulheres parteiras para cortar, o cordão umbilical aparece também freqüentemente descrito.
Os textos médicos da Suméria tratam ainda de diagnósticos e receituário. Não deixam dúvidas de que os médicos sumérios não recorriam à magia ou bruxaria. Eles recomendavam limpeza e lavagem; banhos de imersão em água quente e soluções minerais; aplicação de derivados vegetais, massagens com compostos de petróleo.
Os medicamentos eram feitos de compostos de plantas e minerais e eram misturados com líquidos ou solventes apropriados ao método de aplicação. Se tomados oralmente, os pós eram misturados no vinho, cerveja ou mel; se "colocados através do reto" - administrados num clister -, eram ministrados com óleos de plantas ou vegetais. O álcool, que atua de maneira tão importante na desinfecção cirúrgica e como base de muitos medicamentos, alcançou nossas línguas através do arábico kohl e do acádio kuhlu.
Modelos de fígado mostram que a medicina era ensinada em escolas médicas com a ajuda de modelos de órgãos humanos feitos de argila. A anatomia deve ter sido uma avançada ciência, uma vez que os rituais do templo reclamavam elaboradas dissecações ou sacrifícios de animais, o que, se compararmos com nosso conhecimento atual da anatomia humana, significa apenas um mero passo atrás.
Várias descrições em selos cilíndricos ou barras de argila mostram pessoas estendidas numa espécie de mesa cirúrgica rodeadas por equipes de deuses ou pessoas. Sabemos a partir das epopéias e outros textos heróicos que os sumérios e seus sucessores na Mesopotâmia estavam preocupados com assuntos relativos à vida, doença e morte. Homens como Gilgamesh, um rei de Erech, procuraram a "Árvore da Vida", ou então algum mineral ("uma pedra") que pudesse dar a juventude eterna. Havia também referências a esforços para ressuscitar os mortos, especialmente se se tratasse de deuses:
Por sobre o corpo, dependurado do mastro, eles conduziam o pulso e a radiação.
Sessenta vezes a Água da Vida,
Sessenta vezes o Alimento da Vida,
Eles aspergiam por sobre o corpo;
E Inanna ergueu-se.
Seriam conhecidos e usados métodos ultra-modernos, sobre os quais apenas podemos especular, nessas tentativas de retorno à vida? Por uma cena de tratamento clínico descrita num selo cilíndrico datado dos primórdios da civilização suméria podemos pensar que no tratamento de algumas enfermidades eram já conhecidos e usados materiais radioativos. Esse selo mostra, sem sombra de dúvida, um homem deitado num leito especial, sua face está protegida por uma máscara e ele se sujeita a um tipo qualquer de radiação.
Uma das mais remotas realizações materiais sumérias foi o desenvolvimento das indústrias têxteis e de vestuário.
Considera-se que nossa própria Revolução Industrial começou com a introdução de máquinas de fiar e tecer na Inglaterra por volta de 1760. Muitas nações em vias de desenvolvimento aspiram, desde então, a desenvolver uma indústria têxtil como o primeiro passo em direção à industrialização. A evidência mostra que este foi o processo seguido não só desde o século 18, mas desde sempre, desde a primeira grande civilização do homem. O homem não podia ter feito tecidos antes do advento da agricultura que lhe proporcionou o linho e a domesticação de animais, criando uma fonte para a lã. Grace M. Crowfoot (Textiles, Basketry and Mats in Antiquity) [Têxteis, Cestaria e Esteiras na Antiguidade] expressa o consenso escolástico afirmando que a tecelagem têxtil apareceu primeiro na Mesopotâmia, cerca do ano 3.800 a.C.
Todavia, a Suméria foi renovada nos tempos antigos não apenas pelos seus tecidos, como também pelos seus trajes. O livro de Josué (7:21) relata que, durante o assalto a Jericó, certa pessoa não resistiu à tentação de "guardar" um "bom casaco de Shin'ar", que encontrara na cidade, embora a punição para tal delito fosse a morte. Os artigos de vestuário de Shinar (Suméria) eram tidos em tão alta conta que as pessoas se arriscavam a morrer para os possuírem.
Existia já na Suméria uma rica terminologia para descrever tanto o vestuário, como seus fabricantes. A peça da base do vestuário chamava-se TUG - sem dúvida alguma, o precursor tanto no estilo como no nome da toga romana. Estas roupas eram chamadas TUG.TU.SHE., o que significa em sumério "veste que se usa enrolada à volta".
As antigas representações revelam não só uma espantosa variedade e opulência em termos de vestuário, como falam também da elegância para a qual concorriam o bom gosto, a coordenação entre as peças de vestuário, os penteados, os toucados e as jóias.
Outra grande realização da Suméria foi sua agricultura. Num território de chuvas apenas de estação, todos os rios eram usados para regar durante todo o ano as colheitas através de um vasto sistema de canais de irrigação.