Ninti abençoou o novo ser e apresentou-o a Ea. Alguns selos mostram uma deusa, flanqueada pela Árvore da Vida e frascos de laboratório, segurando um ser que acabou de nascer.
O ser assim produzido e que, nos textos mesopotâmicos, é repetidamente descrito como um "homem modelo" ou o "molde", era aparentemente a criatura certa, uma vez que depois de sua criação os deuses pediram duplicatas. Este detalhe aparentemente insignificante lança, contudo, luz não só sobre o processo pelo qual a humanidade foi "criada", mas também sobre a informação conflitante contida na Bíblia.
De acordo com o capítulo I do Gênesis:
Elohim criou o Adão à Sua imagem
À imagem de Elohim
Ele o criou.
Masculino e feminino
Ele os criou.
O capítulo V, que é chamado o livro das Genealogias de Adão, declara que:
No dia em que Elohim criou Adão,
À semelhança de Elohim
Ele o fez. Masculino e feminino
Ele os criou.
E Ele abençoou-os, e chamou-os “Adão"
No próprio dia de sua criação.
No mesmo instante, é-nos dito que a divindade criou à sua semelhança e imagem apenas um único ser, "o Adão", e, numa aparente contradição, que tanto um macho como uma fêmea foram criados simultaneamente. A contradição parece ser mais aguda ainda no capítulo II do Gênesis, que relata especificamente que o Adão esteve só durante um tempo até que a divindade o fez dormir e criou uma mulher de sua costela.
A contradição, que tem confundido de igual modo estudiosos e teólogos, desaparece logo que percebemos que os textos bíblicos eram uma condensação das fontes sumérias originais. Estas fontes informam-nos que, depois de terem tentado criar um trabalhador primitivo pela "mistura" de macacos-homens com animais, os deuses concluíram que a única mistura que poderia dar resultado seria a fusão de macacos-homens com os próprios Nefilim. Depois de várias tentativas frustradas, um "modelo" - Adapa/Adão - foi feito. A princípio havia apenas um único Adão.
Depois do Adapa/Adão ter provado ser a criatura certa, ele foi usado como modelo genético ou "molde" para a criação de duplicatas, e essas duplicatas não eram só masculinas, como também femininas. Como mostramos anteriormente, a "costela" a partir da qual a mulher foi criada constitui um jogo de palavras com o sumério TI ("costela" e "vida"), confirmando que Eva foi feita da "essência vital" de Adão.
Os textos mesopotâmicos fornecem-nos um relato de testemunha ocular da primeira produção das duplicatas de Adão.
As instruções de Enki foram seguidas. Na Casa de Shimti, onde o hálito da vida é "soprado", Enki, a deusa-mãe e catorze deusas do nascimento estavam reunidos. Foi obtida a "essência" de um deus, e preparado o "banho purificador". "Ea limpou o barro na presença dela; ele continuou a recitar o encantamento.”
O deus que purifica o Napishtu,
Ea, falou.
Sentado à frente dela, ele incitava-a.
Depois de ela ter recitado seu encantamento,
Ela pôs sua mão no barro.
Somos agora informados do detalhado processo da criação em massa do homem. Com catorze deusas do nascimento presentes:
Ninti cortou catorze pedaços de barro;
Sete ela depositou à direita,
Sete ela depositou à esquerda.
Entre eles colocou o molde.
...O cabelo ela...
...O cortador do cordão umbilical.
É evidente que as deusas do nascimento estavam divididas em dois grupos. "As sensatas e ensinadas, duas-vezes-sete deusas de nascimento tinham-se reunido", continua o texto a explicar. Em seus ventres a deusa-mãe depositou o "barro misturado". Há insinuações de um processo cirúrgico - a retirada ou o corte do cabelo -, da disponibilidade de um instrumento, um cortador. Agora mais nada há a fazer senão esperar:
As deusas do nascimento foram mantidas juntas.
Ninti sentou-se contando os meses.
O fatídico décimo mês aproximava-se;
O décimo mês chegou;
O período de abertura do ventre decorrera.
A face dela irradiava inteligência;
Ela cobriu a cabeça, fez o trabalho de parteira.
Ela cingiu a cintura, pronunciou a bênção.
Ela desenhou uma forma; no molde havia vida.
O drama da criação do homem, parece, foi composto por um nascimento tardio. A "mistura" de "barro" e "sangue" foi usada para induzir gravidez em catorze deusas do nascimento. Mas nove meses passaram e começou o décimo mês. "O período de abertura do ventre decorrera." Compreendendo o que era necessário, a deusa-mãe "fez o trabalho de parteira". Um texto paralelo (a despeito de sua fragmentação) revela que ela se envolveu numa espécie de operação cirúrgica:
Ninti. .. conta os meses...
O destinado décimo mês elas chamam;
A senhora cuja mão abre veio.
Com ela... ela abriu o ventre.
Sua face brilhava de alegria.
Sua cabeça estava coberta;
. . .Fez uma abertura;
O que estava no ventre veio à luz.
Exultando de alegria, a deusa-mãe deixou escapar um grito.
Eu criei!
Com minhas mãos eu o fiz!
Como foi realizada a criação do homem?
O texto "Quando os deuses como homens" contém uma passagem cujo fim era explicar por que o "sangue" de um deus tinha de ser misturado ao "barro". O elemento "divino" requerido não era simplesmente o gotejante sangue de um deus, mas algo mais básico e duradouro. O deus selecionado, dizem-nos, tinha TE.E.MA, um termo que as grandes autoridades no texto (W. G. Lambert e A. R. Millard, da Universidade de Oxford) traduzem como "personalidade". Mas o termo antigo é muito mais específico. Ele significa literalmente “aquilo que abriga aquilo que liga a memória". Mais adiante, o mesmo termo aparece na versão acádia como etemu, que é traduzido como "espírito".
Em qualquer das circunstâncias, nós estamos tratando daquela "alguma coisa" no sangue do deus que era o repositório de sua individualidade. Todas estas, estamos certos, são apenas formas de rodeios para afirmar que o que Ea procurava, quando submeteu o sangue do deus a uma série de "banhos purificadores", era o gene do deus.
O propósito da mistura deste elemento divino, integralmente, com o elemento terreno foi também lido em voz alta:
No barro, Deus e Homem serão ligados,
Numa unidade produzidos;
Para que até ao fim dos dias
A carne e o espírito
Que num deus se soltaram
Esse espírito numa consangüinidade seja unido;
Como seu sinal a vida proclamarei.
Para que isto não seja esquecido,
Que o "espírito" numa consangüinidade seja unido.
Estas palavras são densas, pouco entendidas pelos estudiosos. O texto declara que o sangue do deus era misturado ao barro para ligar geneticamente Deus e Homem "até ao fim dos dias", para que tanto a carne ("imagem") como o espírito ("semelhança") dos deuses ficasse impressa sobre o homem num parentesco de sangue que jamais poderia ser destruído.
A "Epopéia de Gilgamesh" relata que, quando os deuses decidiram criar uma duplicata para o parcialmente divino Gilgamesh, a deusa-mãe misturou "barro" com a "essência" do deus Ninurta. Mais adiante no texto, a poderosa força de Enkidu é atribuída ao fato de ele ter em si "a essência de Anu", um elemento que adquirira através de Ninurta, o neto de Anu.
O vocábulo acádio kisir refere-se a "essência", uma "concentração" que os deuses dos céus possuíam. E. Ebeling resumiu as tentativas de compreender o exato significado de kisir afirmando que, como “essência, ou qualquer gradação do termo, ela podia bem ser aplicada a deidades e também a mísseis dos céus". E. A. Speiser defendeu que o termo implicava também "algo que desceu dos céus". O termo carrega a conotação, escreveu ele, "que seria indicada pelo uso do termo em contextos medicinais".
Regressamos a um simples e único vocábulo de tradução: gene.
As provas dos textos antigos, tanto mesopotâmicos como bíblicos, sugerem que o processo adotado para fundir dois conjuntos de genes - os do deus e os do Homo erectus - envolvia o uso de genes masculinos como elemento divino e genes femininos como elemento terreno.
Afirmando repetidamente que a deidade criara Adão à sua imagem e semelhança, o livro do Gênesis descreve mais tarde o nascimento do filho de Adão, Seth, com as seguintes palavras:
E Adão viveu 130 anos,
E teve um rebento
À sua semelhança e imagem;
E seu nome foi Seth.
A terminologia é idêntica à usada para descrever a criação de Adão pela divindade. Mas Seth nasceu certamente a Adão por meio de um processo biológico: a fertilização de um óvulo feminino por um esperma masculino de Adão e a conseqüente concepção, gravidez e nascimento. A terminologia idêntica revela um processo idêntico, e a única conclusão plausível é que também Adão foi dado à luz pela divindade através do processo de fertilização de um óvulo feminino com o esperma masculino de um deus.
Se o "barro" no qual foi misturado o elemento divino era um elemento terreno, como insistem todos os textos, então a única conclusão possível é que o esperma masculino de um deus - seu material genético - foi inserido dentro do óvulo de uma macaca-mulher.
O termo acádio para "barro", ou antes, "barro moldável", é tit. Mas a sua articulação original era TI.IT ("aquilo que está com vida"). Em hebraico, tit significa "lama"; mas seu sinônimo é bos, que partilha uma raiz com bisa ("pântano") e besa ("ovo").
A história da criação está repleta de jogos de palavras. Já vimos os significados duplos e triplos de Adão - adama/adamtu/dam. O epíteto para deusa-mãe, NIN.TI, significava tanto "senhora da vida" e "senhora da costela". Por que não, então, bos-bisa-besa ("barro-lodo-ovo") como um jogo de palavras para o óvulo feminino?
O óvulo de um Homo erectus fêmea, fertilizado pelos genes de um deus, foi então implantado no interior do ventre da esposa de Ea; e, depois de ser obtido o "modelo", duplicatas dele foram implantadas nos ventres das deusas do nascimento, para sofrerem o processo de gravidez e nascimento.
As sensatas e ensinadas,
Duplas-sete deusas do nascimento reuniram-se;
Sete deram à luz machos, Sete deram à luz fêmeas.
A Deusa do Nascimento deu à luz
O vento do hálito da vida.
Em pares eles foram contemplados,
Em pares eles foram completados na presença dela.
As criaturas eram povo -
Criaturas da deusa-mãe.
O Homo sapiens fora criado.
As antigas lendas e mitos, informação bíblica e ciência moderna são ainda compatíveis com mais um aspecto. Tal como os achados antropológicos modernos, que rezam que o homem evoluiu e apareceu no sudeste da África, os textos mesopotâmicos sugerem que a criação do homem teve lugar no Apsu - no Mundo Inferior onde se localizava a Terra das Minas. Estabelecendo paralelo com Adapa, o "modelo" do homem, alguns textos mencionam "sagrada Amama, a mulher da terra", cujo domicílio era no Apsu.
No texto da "Criação do Homem", Enki emite as seguintes instruções para a deusa-mãe: "Mistura a um âmago o barro do alicerce da Terra, logo abaixo do Abzu". Um hino às criações de Ea, que "criou o Apsu como seu domicílio", começa afirmando:
Divino Ea no Apsu
Cortou um pedaço de barro,
Criou Kulla para restaurar os templos.
O hino continua a listar os especialistas de construção, assim como aqueles encarregados dos "abundantes produtos da montanha e do mar" que foram criados por Ea - todos eles, inferimos nós, a partir de pedaços de "barro" cortados no Abzu, a Terra das Minas no Mundo Inferior.
Os textos tornam absolutamente claro que, enquanto Ea construiu uma casa de tijolos à beira da água em Eridu, no Abzu ele construiu uma casa adornada com pedras preciosas e prata. Foi lá que sua criatura, o homem, teve origem:
O Senhor do AB.ZU, o rei Enki...
Construiu sua casa de prata e lápis-lazúli;
Sua prata e lápis-lazúli, como cintilante luz,
O pai adequadamente criou no AB.ZU.
As criaturas de brilhante semblante,
Avançando do AB.ZU,
Perfilavam todas à volta do Senhor Nudimmud.
Pode-se mesmo concluir, a partir dos vários textos, que a criação do homem causou uma brecha entre os deuses. Poderia parecer que, pelo menos a princípio, os novos trabalhadores primitivos se deveriam confinar à Terra de Minas. O resultado foi que negaram-se aos Anunnaki, que trabalhavam na própria Suméria, os benefícios da nova mão-de-obra. Um desconcertante texto, a que os eruditos chamam "O Mito da Picareta", é de fato o registro dos eventos durante os quais os Anunnaki que ficaram na Suméria sob as ordens de Enlil obtiveram seu justo quinhão do povo de cabeça preta.
Procurando restabelecer a "ordem normal", Enlil empreendeu a drástica ação de cortar os contatos entre "céu" (o Décimo Segundo Planeta ou as naves espaciais) e a terra e lançou uma ação drástica contra o local "onde a carne germinava rápido".
O Senhor
Fez com que acontecesse aquilo que é apropriado.
O Senhor Enlil,
Cujas decisões são inalteráveis,
Correu verdadeiramente para separar os céus da terra.
Para que os criados pudessem avançar;
Verdadeiramente ele correu para separar a terra dos céus.
No “elo céus-terra" ele deu uma cutilada,
Para que os criados pudessem subir
Do Lugar-Onde-a-Carne-Germinava-Rápido.
Contra a "Terra da Picareta e do Cesto", Enlil criou uma maravilhosa arma chamada AL.A.NI ("machado que produz poder"). Esta arma tinha um "dente" que, "como um boi de um chifre", podia atacar e destruir grandes muros. Por todas as descrições feitas, tratava-se de um tipo qualquer de enorme e poderosa perfuradora montada num veículo do tipo moto-niveladora, que esmagava tudo quanto estivesse à frente:
A casa que se rebela contra o Senhor,
A casa que não é submissa ao Senhor,
O AL.A.NI a torna submissa ao Senhor.
Do mal..., as cabeças de suas plantas ele esmaga;
Arranca as raízes, despedaça as coroas.
Armando sua arma com "separador de terra", Enlil lançou-se ao ataque:
O Senhor convocou o AL.A.NI, deu suas ordens.
Ele colocou o separador de terra como uma coroa sobre sua cabeça,
E guiou-a até ao Local-Onde-a-Carne-Germinava-Rápido.
No buraco estava a cabeça de um homem;
Do solo, povos rompiam na direção de Enlil.
Ele mirou os cabeças pretas de modo resoluto.
Gratos, os Anunnaki fizeram seus pedidos de trabalhadores primitivos e não perderam tempo para pô-los a trabalhar:
Os Anunnaki avançaram para ele,
Levantaram suas mãos em cumprimentos,
Mitigando o coração de Enlil com orações.
Eles pediam-lhe os de cabeças pretas.
Ao povo dos cabeças pretas,
Eles deram a picareta para segurar.
O livro do Gênesis, de igual modo, informa que "o Adão" fora criado em algum lugar a oeste da Mesopotâmia e depois trazido para leste, para a Mesopotâmia, para trabalhar no Jardim do Éden:
E a divindade Javé plantou um pomar no Éden, no leste...
E Ele tomou o Adão
E colocou-o no Jardim do Éden
Para trabalhá-lo e guardá-lo.
O Fim de Toda a Carne
A prolongada crença do homem na existência de uma Idade de Ouro em sua pré-história não pode certamente basear-se em lembranças humanas, uma vez que o acontecimento teve lugar há demasiado tempo e o homem era demasiado primitivo para registrar qualquer informação concreta para as gerações vindouras. Se a humanidade retém, de qualquer modo, um sentido subconsciente que lhe diz que nesses dias dos primórdios o homem viveu através de uma era de tranqüilidade e felicidade, é simplesmente porque o homem não conhecia nada de melhor. E é também porque os contos dessa era foram primeiramente contados à humanidade, não pelos homens primitivos, mas pelos próprios Nefilim.
A única narração completa dos acontecimentos que sucederam ao homem após seu transporte para o domicílio dos deuses na Mesopotâmia é o conto bíblico de Adão e Eva no Jardim do Éden:
E a Divindade Javé plantou um pomar
No Éden, no leste;
E colocou lá o Adão
A quem Ele criara.
E a Divindade Javé
Fez nascer da terra
Todas as árvores que são agradáveis à vista
E boas para comer;
E a Árvore da Vida estava no pomar
E a Árvore da Sabedoria boa e má...
E a Divindade Javé tomou o Adão
E colocou-o no Jardim do Éden
Para trabalhá-lo e guardá-lo;
E a Divindade Javé
Ordenou ao Adão, dizendo-lhe:
De cada árvore do pomar comerás;
Mas da Árvore da Sabedoria boa e má,
Tu não comerás dela;
Porque no dia em que tu dela comeres, disso
Tu virás certamente a morrer.
Embora tivessem à disposição dois frutos vitais, os terráqueos estavam proibidos de tocar apenas no fruto da Árvore da Sabedoria. A divindade, nesta altura, parece não se preocupar com a possibilidade de o homem tentar alcançar o Fruto da Vida. Ainda assim, o homem não pôde respeitar nem sequer esta única proibição e seguiu-se a tragédia.
A paisagem idílica em breve cedeu lugar a dramáticos desenvolvimentos, a que os eruditos bíblicos e os teólogos chamam a "Queda do Homem". É um conto de ordens divinas desatendidas de mentiras divinas, de uma serpente velhaca (mas que diz a verdade), de castigo e exílio.
Aparecendo de lugar nenhum, a serpente desafiou os solenes avisos de Deus:
E a serpente... disse para a mulher:
A Divindade disse-te realmente
'Vós não comereis de nenhuma árvore do pomar’?
E a mulher disse para a serpente:
Dos frutos das árvores do pomar nós podemos comer;
É do fruto da árvore no meio do pomar
Que a Divindade disse:
'Vós não comereis dele, nem nela tocareis, ou morrereis'.
E a serpente disse para a mulher:
Não, com certeza vocês não morrerão;
É que a Divindade sabe
Que no dia em que dela vocês comerem,
Vossos olhos abrir-se-ão
E vocês serão como a Divindade -
Conhecendo o bem e o mal.
E a mulher viu que a árvore era boa para comer
E que era agradável de ser admirada;
E a árvore era desejável para fazer cada um sensato;
E ela tomou seu fruto e comeu,
E deu também a seu companheiro, e ele comeu com ela;
E os olhos de ambos foram abertos,
E eles perceberam que estavam nus;
E eles costuraram folhas de figueira,
E fizeram para si próprios, tangas.
Lendo e relendo o conciso e, ainda assim, preciso conto, não podemos evitar perguntar-nos qual a razão de todo o conflito. Proibidos sob ameaça de morte de tocar no Fruto da Sabedoria, os dois terráqueos foram persuadidos a avançar e comer o fruto que os tornaria "conhecedores" como a Divindade. No entanto, tudo o que aconteceu foi uma súbita tomada de consciência de sua nudez.
O estado de nudez foi, de fato, um aspecto maior de todo o incidente. O conto bíblico de Adão e Eva no Jardim do Éden abre com a afirmação: "E ambos estavam nus, o Adão e sua companheira, e eles não se envergonhavam". Eles estavam, devemos perceber, em algum estágio inferior do desenvolvimento humano em relação aos humanos completamente desenvolvidos - não só estavam nus, como estavam também na total inconsciência das implicações de tal nudez.
Um exame posterior do conto bíblico sugere que seu tema é a consecução pelo homem de algum tipo de proeza sexual. A "sabedoria" retida aos olhos do homem não era uma informação científica, mas algo relacionado com o sexo masculino e feminino, porque, mal o homem e sua parceira adquiriram a "sabedoria", logo "perceberam que estavam nus" e cobriram seus órgãos sexuais.
A continuação da narrativa bíblica confirma a relação entre a nudez e a falta de conhecimento, porque a Divindade não levou muito tempo a juntar os dois:
E eles ouviram o som da Divindade Javé
Passeando no pomar à brisa do dia,
E o Adão e sua companheira esconderam-se
Da Divindade Javé entre as árvores do pomar.
E a Divindade Javé chamou o Adão
E disse: "Onde estás?”
E ele respondeu:
O teu som eu ouvi no pomar e eu tive medo porque estou nu;
E escondi-me .
E Ele disse:
Quem te disse que estás nu?
Comeste tu da árvore,
Da qual eu te ordenei que não comesses?
Admitindo a verdade, o trabalhador primitivo culpou sua companheira feminina, que por sua vez deitou a culpa sobre a serpente. Tremendamente zangado, Deus lançou feitiços contra a serpente e os dois terráqueos. Então, surpreendentemente, "a Deidade Javé fez para Adão e sua mulher vestes de peles, e vestiu-os".
Não podemos julgar seriamente que o propósito de todo o incidente, que levou à expulsão dos terráqueos do Jardim do Éden, fosse um modo dramático de explicar como é que o homem passou a usar roupas. O uso de roupas foi meramente uma manifestação exterior da nova "sabedoria". A aquisição de tal "sabedoria" e as tentativas da Divindade em privar dela a humanidade são os temas centrais dos acontecimentos.
Enquanto não for ainda encontrada uma contraparte mesopotâmica para o conto bíblico, poucas dúvidas podem restar de que o conto - tal como todo o material bíblico referente à criação e à pré-história do homem - era de origem suméria. Temos o local: o domicílio dos deuses na Mesopotâmia. Temos o intrigante jogo de palavras com o nome de Eva (“ela da vida", "ela da costela"). E temos duas árvores vitais, a Árvore da Sabedoria e a Árvore da Vida, tal como na residência de Anu.
Até as palavras da Divindade acusam a origem suméria, porque só a deidade hebraica resvalou de novo para o plural, dirigindo-se a colegas divinos que foram imaginados não na Bíblia, mas nos textos sumérios:
Então a Divindade Javé disse:
Observem, Adão tornou-se um de nós,
Para conhecer o bem e o mal.
E agora não poderia ele estender a mão
E partilhar da Árvore da Vida,
E comer, e viver para sempre?
E a Divindade Javé expulsou o Adão
Do pomar do Éden.
Como mostram muitas remotas representações sumérias, houvera um tempo no qual o homem, o trabalhador primitivo, servira seus deuses completamente nu. Ele estava nu quer servisse aos deuses sua comida e bebida, quer labutasse nos campos ou nos trabalhos de construção.
A implicação clara é que o status do homem em face dos deuses não era muito diferente daquele dos animais domesticados. Os deuses tinham meramente elevado um animal já existente para preencher suas necessidades. Teria, então, a falta de "sabedoria" significado que, nu como um animal, o ser remodelado se envolvia sexualmente como ou com os animais? Algumas antigas descrições pictóricas indicam que foi este realmente o caso.
Os textos sumérios, como a "Epopéia de Gilgamesh", sugerem que o modo como se processavam as relações físicas dá realmente conta de uma distinção entre o homem selvagem e o homem humano. Quando o povo de Uruk quis civilizar o selvagem Enkidu, "o indivíduo bárbaro das profundidades das estepes", eles recorreram aos serviços de uma "jovem do prazer" e enviaram-na para se encontrar com Enkidu no fosso de água onde ele costumava conviver com animais vários e oferecer-lhe sua "maturidade”.
Parece, a partir do texto, que o momento decisivo no processo de "civilização" de Enkidu foi a rejeição dele pelos animais com os quais convivera. Era importante, disse o povo de Uruk à jovem, que ela continuasse a tratá-lo como "tarefa de mulher" até que "suas bestas selvagens que cresciam nas estepes o rejeitassem". Porque era um pré-requisito para que Enkidu se tornasse humano, que ele se afastasse da sodomia.